sábado, 30 de junho de 2012

Quando um passado feliz é percebido


12h26min. Como em raras vezes, o ônibus chegava mais cedo. Quatro minutos antes do previsto e nove antes do normal. Peguei minha mala cor-de-rosa e entreguei pro cobrador que já nem me pergunta mais para onde vou. Afinal, já faz um ano e meio. Mala guardada, agora era só encarar uma pequena e lerda fila até a porta do ônibus. Desatenta em relação às coisas que me rodeavam, provavelmente pensando no final de semana, de repente minha atenção fixou-se na senhora de cabelo armado e sorriso largo que descia rápido demais do ônibus para ter a idade que eu acreditava que tinha. Os fios de seu cabelo loiro esbranquiçado contrastavam com sua roupa escura.
            Vi seus olhos brilharem ao encontrar algo na minha direção. Antes mesmo de eu conseguir virar para tentar descobrir mais um pouco a respeito daquela felicidade gostosa, uma pequena senhora de cabelos negros passou por mim. Seus passos curtos eram recompensados por uma rapidez tão adolescente que me confundia. Tenho certeza que se ela tivesse algo em mãos, teria atirado para qualquer lado ao encontrar a dona dos cabelos brancos e sorriso largo. As duas se abraçaram de um modo que eu, mesmo sem saber ao certo a ligação que possuem, sorrisse feito uma boba. Um abraço tão amigável, um sentimento de irmandade que poderia ser sentido até mesmo pelo coração mais frio e inconstante. 
            Enquanto a loira alta abraçava a morena baixa, fiquei as observando e quase como num filme, consegui imaginar as duas, cinquenta anos mais novas, se abraçando ao passarem no vestibular ou comemorando o aniversário de 15 anos. Sei lá, mesmo sem saber, eu sentia que aquelas duas idosas de almas tão jovens, viveram muito tempo juntas quando adolescentes. Podia perceber que aquele carinho perceptível era fruto de anos de convivência. As duas se conheciam de verdade. No sentido de saber tudo à respeito mesmo. Com certeza, cada uma delas sabe o primeiro amor que a outra teve. O primeiro beijo que levou e as lutas que passou naquela fase divertida e confusa que chamamos de adolescência.
            Aquela irmandade percebida, me fez pensar nas minhas amigas e no quanto as quero perto de mim no meu futuro. Quero ter ao meu lado, quando estiver judiada pelos anos, pessoas que saibam o que passei e me entendam como ninguém. É uma sensação rara perceber afetos que sobrevivem há uma vida toda.  E perceber isso, me dá ainda mais vontade de cuidar daqueles que tenho ao meu lado e guardo em meu coração.
            As duas ainda se abraçavam, balançando-se para os lados, quando escutei uma voz agradável pedir: “Sua passagem, moça”. Tirei os olhos da cena das amigas saudosas, e virei na direção de onde o som vinha. Enxerguei a pupila do senhor que me pedia o bilhete, segurado firmemente pelas minhas mãos. O entreguei, ele fez o que tinha que fazer, e disse: “Paraíso então... Vai com Deus, minha menina”. Eu agradeci e pedi em oração para que não apenas eu fosse com Deus, mas também ele, as senhoras que tiveram um passado feliz e todos aqueles que cuidam das relações do presente pensando nas mesmas no futuro.
            

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